Ninguém mata o jornalismo tradicional. Ele se suicida.

jornal extra e o globo, por emilio moreno e sylvia moretzsohn Por aí a gente nota que não é a internet que está matando o jornalismo impresso. Trata-se de um notório suicídio. Quando editores tradicionais não questionam os critérios de noticiabilidade usados há mais de 200 anos, o que se tem é um noticiário elitista e distante do público. Para muita gente boa que conheço, a justificativa da capa do Globo, ao lado, seria algo como “no morro matam gente todos os dias; na Lagoa não…”. São esses que perderão o emprego amanhã… (tomara!) E o que o digital tem a ver com isso? Gilsons e Wandersons se multiplicam em termos de presença de conteúdo e proximidade com a população. É terreno fértil e possível para o microjornalismo. Gracias pela lucidez da discussão, queridos Emílio Moreno, Nívia Anderson e Sylvia Moretzsohn.

E se o jornalismo acabasse?

Sabe aquele texto que tu querias ter lido mas não teve tempo durante o dia? Assim foi com esse artigo do sempre brilhante Ramón Salaverría. Mandei por e-mail pra mim com o título TEM QUE LER. Ele apareceu no mesmo dia em que saiu uma entrevista com o Jeff Jervis, no El País. Coisa pra enlouquecer qualquer pesquisador de comunicação.

Com o Salaverría é sempre assim… A cada linha que leio, aumenta a vontade de estar sentada num café, batendo papo com ele sobre o futuro-presente do jornalismo. Ponto. Não apenas o digital, pois como ele bem lembra nesse texto, os suportes de agora irão se tornar obsoletos em seu momento, tal como se torna hoje o impresso.

Mas como um oceano me impede de chamar o gênio para um café-com-papo e medialunas, aqui deixo minha modesta parte do diálogo.

O Salaverría analisa a atualidade do jornalismo pelo mesmo ponto de partida que eu e muita gente justificamos a reflexão: pela crise. Mas ele fala de duas crises:

1) a depressão econômica e financeira mundial já do final de 2007
2) a transformação tecnológica a que foi submetida a indústria da comunicação

Aí eu acrescentaria uma terceira crise, Professor, a de credibilidade ou – talvez de modo mais premente – a crise de relevância.

O que vem matando o jornalismo ou as empresas de comunicação não é a tecnologia, como o senhor bem observa:

As tecnologias, enfim, não têm demonstrado ser um substituto para os jornalistas, mas um formidável complemento. Nunca o jornalismo contou com semelhantes possibilidades para cumprir melhor a função social que lhe corresponde. Resta, claro, renovar os conteúdos e as linguagens para aproveitar a fundo todo esse potencial tecnológico.

Lógico, entendo que a desestabilidade provocada pelo giro tecnológico na indústria da comunicação vem obrigando uma transformação incômoda para muitos de se renovar, rever processos, olhar para o próprio umbigo com as de questionamento, não de admiração, como é tão habitual no nosso meio. Entendo que essa crise é real e impacta tanto quanto a deterioração financeira de vários setores, inclusive que afetou anunciantes e, com isso, abalou nossa maior fonte de receita.

É importante lembrar, também, que esse giro tecnológico e seus reflexos econômicos não apenas dizem respeito a formatos publicitários, a empresas que faturam menos, a métricas ineficazes, a audiências menos atentas. Essa dobradinha “tecnologia + economia” pariu monstros que, na forma de algoritmos, engole as boias salva-vidas do jornalismo como curadoria. Ainda assim, não creio que Facebook e Google sejam os principais vilões do jornalismo. Eles apenas inventaram uma outra indústria – que, cá entre nós, era para nós termos criado antes! – e fazer frente a ela me faz lembrar de Dom Quixote lutando contra o moinho.

Sabemos que está assim de veículo jornalístico querendo pegar carona no êxito das redes sociais para crescer em audiência. Eu mesma trabalhei nisso durante anos!! Quebrei a cabeça sobre como tirar o melhor proveito das redes sociais em prol de marcas editoriais online. Mas reduzir a rede social aplicada ao jornalismo como fonte de audiência é muita ignorância! E a razão é simples.

Jeff Jervis sintetiza assim: “Estamos en un negocio basado en el volumen. Vendemos usuarios al peso, y no individuos. ¿Y qué ocurre? Que lo que conseguimos es corrompernos. Conseguimos gatos. Porque si lo que buscamos es “volumen, volumen, volumen”, “páginas vistas, páginas vistas, páginas vistas”, lo que conseguimos es fotos de gatos y titulares estúpidos. Hemos corrompido el sistema.

Ou seja, tentamos sugar quanti de uma teta que só produz quali. Porque o DNA do social é quali. Até mesmo o seu modelo de negócio é essencialmente quali. Só funciona porque a segmentação é precisa e quanto menos pessoas o anúncio alcança, mais caro ele é. Ora, o sujeito alcançado é o alvo perfeito! Exclusivamente quali. É a natureza do social. Enquanto continuarmos mamando nessa teta, seguiremos morrendo de fome.

É tudo uma questão de métricas?

Então temos que vender quali? Mudamos as métricas e batemos todas as metas? Coincidimos quando o senhor diz:

“À semelhança daquelas indústrias ineficientes, as empresas jornalísticas estão sendo obrigadas a evoluir a partir de um modelo analógico, fortemente condicionado pelo suporte de distribuição, para o digital, onde as regras do jogo e a escala de valores mudaram por completo.”

Não acredito que vender tempo de atenção ao invés de impressões – como estão fazendo The Economist, Financial Times e Medium – salve a nossa lavoura. Tempo é mais uma dessas burláveis métricas quanti e ainda assim não teríamos chegado ao quali.

Então será que nosso desafio é DESCOBRIR UMA NOVA MÉTRICA quali e projetar um modelo jornalístico em cima dela? Novamente estaríamos batendo de frente com uma indústria jovem, viçosa e cheia de energia. Quem quer concorrer com Google e Facebook? Sim, eu vi a Abril recriar o Blogger, o Digg e o Flickr, mas com a arvorezinha no alto que, na cabeça do narciso, vale mais do que qualquer hábito mundialmente consolidado. Não deu. Fecharam essas e uma porção de outras iniciativas, inclusive veículos, inclusive referentes em seus segmentos.

Eles tentaram se reinventar. E não deu certo. Por isso é preciso questionar o caminho que escolheram para se reinventar. Daí o senhor elenca as rupturas que nos empurram à renovação:

* Já não há mais territorialidade para a notícia
* Ruptura de barreiras, todos são mídia: A multiplicação dos meios, que trouxe consigo este novo contexto, não foi acompanhada, entretanto, por um aumento paralelo da demanda – foi o que fechou o OhmyNews International em 2010
* Ruptura de ciclo editorial:
já não há mais deadline nem formato específicos
* Ruptura no monopólio da palavra
* Ruptura do modelo de negócio

Pergunto, Professor, se realmente é o caso de ainda nos preocuparmos com a renovação do jornalismo para sobrevivência. Não valeria mais a pena deixar toda essa resistência morrer à míngua e partir logo para um novo modelo? Ok, é meio radical de minha parte, confesso. Mas me parece mais indolor e eficiente. Quem não quer se renovar está no seu direito, segue assim e, aos poucos, o cenário vai eliminando essas peças do tabuleiro. Algo natural, aliás, como já vem acontecendo. Em paralelo, um novo modelo de jornalismo ou atividade-X é gestado levando em conta não apenas as novas tecnologias, o novo cenário econômico, a nova indústria das redes sociais como, principalmente, os novos hábitos sociais.

E se o jornalismo acabasse?

“Não se trata de uma simples necessidade de renovar os modelos de negócio, e nem é suficiente, claro, adotar simples mudanças detecnologia ou de design. Tudo isso é pura perfumaria. Trata-se de redefinir os modos de informar paraseguir cumprindo uma função que a sociedade precisa.”

Resetemos o jornalismo. Partamos do zero. Enfrentemos o pior dos monstros que nos aterrorizam: e se o jornalismo deixasse de existir? Quem sofreria o quê? Como era o mundo antes da imprensa e o que colhemos como saldo definitivo desde então? Talvez possamos elencar uma série de conquistas positivas, como uma fiscalização do poder público, a disseminação de valores democráticos, a ampliação de nossos olhares ao termos contato com a notícia de longe. Tudo isso para nos tornarmos mais críticos, melhores conhecedores da realidade que nos cerca e melhorar nosso estar-no-mundo. Agora me diga que não se pode fazer isso tudo e muito mais sem a figura de um veículo. Ou melhor: que já não se faz toda essa alquimia informacional by ourselves, entre nossos pares, com mais ou menos confiança, com mais ou menos didatismo.

Ora, mas os meios investigam de maneira profissional. Isso é algo que toma tempo, tem seus custos e nos apresenta de modo palatável. Até mesmo o “jornalismo de entretenimento” tem o seu porquê de existir.

O que me intriga é que, cada vez mais, o público espera essas informações ou as busca não importa onde. A aura da marca editorial já era! Seja através do relato de uma celebridade ou de um político nas redes sociais, seja por meio de um aplicativo de previsão do tempo e cotação da bolsa, seja pelo relato em primeira pessoa de seus círculos de amigos. Porque a informação que antes era exclusividade dos meios agora está em qualquer lado. A fonte está a um clique. Para que tantos intermediários? Nem sequer para empacotadores de dados me parece que somos insubstituíveis. Os algoritmos ajudam, mas a população é crítica o suficiente para ler a informação organizada – ou até mesmo para organizá-la, como mostram as iniciativas de crowdsourcing.

Entendo quando o senhor ressalta nosso papel de garimpeiros, de editores muito mais que repórteres: “Se a rede coloca qualquer conteúdo num clic, necessitamos de profissionais que nos indiquem onde está a informação valiosa. Mais ainda: necessitamos que a tornem relevante, inteligível e amena. Só desta forma a informação irá adquirir significado e poderá ser interpretada pelo público.” 

Talvez estejamos ainda nessa fase. Mas as mãos espertas de um bebê que tenta “navegar por uma revista” achando que o papel é touch mostram que, muito proximamente, o público não vai mais precisar de alguém que torne a informação relevante. Ele mesmo saberá os caminhos para chegar até ela.

Onde eu penso que realmente possa estar a chave que definirá o futuro do jornalismo é numa análise profunda sobre a necessidade de se informar. Em geral. Digo… No seu dia, da hora em que acorda ao momento de dormir, que informação você necessita?

– como está sua família?
– previsão do tempo?
– tem mail novo do chefe?
– em quanto está meu saldo da conta hoje?
– a que horas passa meu ônibus?
– tem corte de trânsito no meu caminho?
– o elevador que pego está seguro?
– precisa levar pão pra casa?
– qual o menu no bandejão da empresa?
– o que meus amigos estão contando de suas vidas?
– o que eu posso contar sobre a minha?
– tem alguma conta que vence hoje?
– saiu algum livro que eu preciso ler?
– meu time ganhou ontem?
– a presidente baixou algum decreto que muda meu ir-e-vir?
– vai ter corte de água ou luz no meu bairro?
– se eu fizer esse curso posso ter um salário melhor?
– há coisa melhor para me vestir ou comida a experimentar?
– alguém que depende de mim precisa de algo?
– as redondezas da minha casa registraram algum episódio de insegurança?
– mudaram as regras dos planos de saúde, telefonia, cartão de crédito?
– aquele projeto pessoal segue de pé? O que preciso fazer por ele?
– …

Essas são apenas algumas das grandes “categorias” de informação que costuram nossas rotinas, altamente permeáveis e substituíveis, mas com graus semelhantes de origem. Se fizermos um exercício de responder a origem de cada resposta às perguntas acima, quantas delas viriam única e exclusivamente de veículos jornalísticos?

A mudança mais radical não está no jornalismo, Profe, mas no que move a vida das pessoas. É isso que as movia em direção ao jornalismo e agora as conduz aos sites insitucionais, aos perfis oficiais em redes sociais, aos seus círculos de contato direto.

É a coletividade a serviço do indivíduo. E nós estamos nesses dois lados: ora somos coletividade, ora somos indivíduos. Um jogo social que se auto-organiza sem a necessidade de um juiz, como ainda se pretendem muitos veículos de imprensa. Quem sabe o que é bom para mim sou eu e aqueles que estão à minha volta. Analisamos isso em parceria, a todo instante, para nosso próprio bem-estar-no-mundo. O jornalismo como conhecemos fica tão periférico nesse jogo… aí surge a crise de relevância. E essa não se resolve com tecnologia.

Jornalismo é outra coisa!

Se o jornalismo nunca teve a ambição de suprir nossa necessidade de informações pessoais – o que discordo, pois o estar-no-mundo é ultra pessoal, desde a previsão do tempo que se consegue por meio de aplicativo até a manifestação que corta o trânsito e é assunto no Twitter – ele deve assumir que ocupará, cada vez mais, um papel periférico a ponto de beirar o dispensável na vida das próximas gerações.

A sobrecarga crescente de informações nos obriga a fazer escolhas. Geralmente, escolhemos aquilo que nos é mais próximo ou nos interessa mais. É o indivíduo outra vez se sobrepondo à coletividade sem a qual não vive.

Conseguiremos dar nome e conotação de jornalismo a essa coletividade? Ou será que jornalismo passará a ser uma prática individual, assim como a higiene ou a alimentação? Talvez o jornalismo seja o elo de sustentação de um indivíduo-coletivo, um hábito cotidiano de dar e receber notícias, alheio a veículos massivos e auto-equilibrado. Caberá institucionalizar esse jornalismo? Talvez. Mas ele será antes uma propriedade muito mais coletiva do que individual. E as redes sociais mostram elementos de sobra para uma mudança jornalística comportamental.

Bom, antes disso vou colocar os pés no chão, estudar microjornalismo e o que os meios podem fazer com ele, conosco, nesses tempos atuais. 🙂 É o que há para agora, mas pode ser o começo de uma transformação muito mais profunda…

A vontade do eterno em redes efêmeras

Grata descoberta foi a deste artigo da Mirian Meliani, da PUC-SP, sobre as redes líquidas digitais. Apesar do assunto, Bauman é apenas um dos baita autores que ela usa. Curta e densa, a reflexão da Mirian traz várias questões interessantes, dentre as quais uma, em especial, me chamou a atenção.

Ela fala, via Bauman, da efemeridade como marca do tempo e das relações que se tramam por essas redes. Espaços velozes de consumo voraz. E fim. Uma espécie de deslumbramento – criação de identidade – projeção -excesso – descarte. Nessa ordem. É a obsolescência como necessidade humana.

E com isso, Mirian define sofisticada e cientificamente a orkutização:

Assim, o caráter transitório das próprias mídias sociais em estudo demonstra ser  adequado  à definição de efemeridade e à lógica do descarte, fundamentando o processo de mediação das relações interpessoais e da troca de conteúdos informacionais entre grupos. Seu modus operandi está claramente estabelecido dentro da perspectiva de atingir o número máximo de usuários. Porém, ao tornar-se popular demais, a rede injeta em si mesma um vírus letal, tornando-se também indesejada.  Ao atingir esse teto, deve ser substituída por outra, cercada por nova aura de “contemporaneidade”, “exclusividade” e “diferenciação”.

Alguma dúvida de que o Facebook e o Twitter já orkutizaram? Pela coleta de posts em formato bola de neve eu tenho chegado à deep web dessas redes. E a gente vê, talvez, seu lado “roots”:

mosaico_trivialidades

Para além do tom amo-odeio das postagens, tem um outro lado nessa história… E se o registro de tanta trivialidade for uma necessidade sobre-humana de eternizar o presente, talvez até como forma de evitar o futuro? Ao menos até quando se possa evitá-lo.

O Maffesoli fala que já não é mais preciso preocupar-se com o futuro, porque a vida lasciva, do desfrute e do gozo já acontece agora. Não precisamos mais temer o tifo ou a guerra. Mas e se… ao invés de não nos preocuparmos, tivermos medo ou simplesmente quisermos evitar o futuro? Se o temor pelo juízo final é coisa de rebanho, duas características o futuro traz como certas: o fim de um presente prazeroso e a morte.

O prazer, aqui, fica por conta da conectividade em si, do manter-se em contato, mesmo que seja para reclamar de algo ou xingar alguém. A catarse gera alívio e, nas redes, busca a resposta solidária dos amigos. A dor manifesta pelas redes é, ao fim das contas, a busca pelo prazer.

A Mirian também cita o Boaventura de Sousa Santos para falar de dilatação do presente. E me fez pensar na contradição que temos ao consumir-e-descartar as relações/informações e as próprias redes tão facilmente. Por que tão efêmero se talvez o sentido desses registros se aproxime das pinturas rupestres?

Queremos nos fazer eternos na voracidade de redes efêmeras?

***

Quem está me ajudando nessa pesquisa de análise de conteúdo, ainda em andamento, é da ferramenta de monitoramento Scup, generosa e super atentamente interessado em entender melhor o que há pelas entranhas das redes.

Conte menos a audiência e conte mais com ela

Eis que surge aquela sensação tão rara e linda de que não estou louca sozinha 😀

Brincadeira à parte, já o título dessa coluna do Ramón Salaverría, esse mestre-gênio de lucidez ímpar no jornalismo, me atraiu: “Una función relevante”.

Ele usou a palavrinha que tanto custei para encontrar como o cerne do meu projeto de tese. Relevante? Embora essa palavra se autojustifique, não era de um adjetivo que eu precisava pro problema de pesquisa. Era um substantivo. Um algo-quê-palpável que tanto falta ao jornalismo e preciso reencontrar: sua função. Por supuesto, social e relevante.

Quando o Prof. Ramón fala dessa função a entrelaça ao cotidiano, outro conceito tão caro e esquecido pelo jornalismo quanto “pessoas”, “gente”, aquele sujeito que, mesmo sem querer, dá sentido à existência da nossa profissão.

Sobre o crescimento dos noticiários digitais:

(…) más importante es su creciente imbricación en la vida cotidiana de las personas. No se puede entender nuestra sociedad sin considerar mo influyen en ella estos canales de información.”

Daí a gente cresce ouvindo que jornalismo cumpre uma função social e política, de mediar e até de fiscalizar o poder público e a sociedade (o que me soa ultra pretensioso, mas acaba tendo um quê de sentido). Porém essa função política, que era para ser um norte do trabalho, transborda à totalidade do noticiário.

Noutras palavras, o que incomoda não é ler notícia sobre a atividade no Congresso Nacional. Mais que relevante, isso é fundamental! O que irrita é a quantidade infinita de retrancas que tomam conta das pautas por mínima que seja a atualização sobre o assunto. E pior: enquanto isso, a realidade que afeta o meu dia, que interfere na tua vida não merece espaço editorial. E onde a gente encontra esses relatos, na maior parte das vezes? Bingo! Nos nossos circuitos, nas redes sociais.

Mais do que um vício, essa obsessão pela agenda política-econômica e internacional é predominantemente alimentada por comunicados oficiais e reprodução de agências. (Ainda querem chamar isso de jornalismo?) Reparem que nem cheguei ao mundo gossip ou ao noticiário espreme-que-sai-sangue.

Por cima desse péssimo hábito comodista e comprometido que tomou conta das nossas rotinas editoriais, está a pressão comercial, que igualmente é importante, mas tem sido exigido tanto dos jornalistas a ponto de negligenciar boas ideias ou tentativas de se fazer um jornalismo diferente, talvez com mais participação do público? (É, aquele mesmo… lembra?)

Para minha sorte ou meu delírio, ainda encontro pensamentos que fazem meus olhos brilharem:

Muchos cibermedios siguen hoy más preocupados del reloj que del diccionario. Les importan más las páginas vistas que lo visto en las páginas. Cuentan y recuentan a su audiencia, pero no cuentan con ella.

Que dizer depois de suspirar? Que precisamos urgentemente de um modelo de negócio diferente do 100% quantitativo para o jornalismo digital. Mas sobretudo é preciso pensar em formas diferentes de se fazer jornalismo que possam, inclusive, justificar novos caminhos de sustentabilidade financeira, que reaproximem o público dos veículos e façam a função social relevante do jornalismo renascer das cinzas.

Meu palpite é… #microjornalismojá o/

Quando o jornalismo local se deixa estuprar pelo entretenimento nacional

A mídia mainstream sempre me surpreendendo…

Não sou analista de produções televisivas, mas enquanto telejornal for (ou quiser ser) coisa de jornalismo, tá no radar. E qual não foi minha surpresa quando, hoje, aqui em Porto Alegre, vi um quadro de “comentarista do The Voice Brasil” pelo noticiário local da RBSTV.

O quadro de hoje não encontrei online, por isso reproduzo o de outra edição, quando a tal “comentarista” ainda se referia a um participante local, assunto que talvez justificasse uma nota pontual (apesar do vergonhoso bairrismo já tradicional praticado pela RBS), e que desapareceu como gancho na edição de hoje. Mas deixo o vídeo de forma ilustrativa:

Num primeiro ímpeto eu diria que “perderam os critérios”. Mas tem lógica na coisa. E é a lógica mais lamentável possível.

Antes, vejamos o contrassenso e a disparidade entre os produtos:
Jornal do Almoço: noticiário + local
The Voice Brasil: entretenimento + nacional

Enquanto o segundo abocanha o primeiro, fica tristemente claro o desespero pela busca da audiência massiva, unicamente quantitativa e de relação efêmera com a mídia, muito provavelmente para atingir metas comerciais. Sim, porque editorialmente não vejo o menor sentido em massificar um espaço já exíguo, cujo conteúdo deveria ser de interesse cirúrgico à população ser violentado pela inclusão do reprise de cenas exibidas há menos de 12 horas pelo mesmo canal, de um conteúdo completamente incompatível ao teor informativo – e ao compromisso social – de um telejornal local.

Que alguém me venha falar em falta de pauta…

Das regulações insustentáveis às visões distorcidas em jornalismo nas redes sociais

Quando vejo discussões sobre a regulação das radiodifusão brasileira como uma das prioridades do novo mandato presidencial, é inevitável comparar com a Lei de Meios e a situação limite a que chegou a mídia argentina. Mas para além de discussões ideologizadas, tem um ponto de carência nesse debate que afronta a pesquisa mais recente em comunicação. E o meu caro orientador – ou diretor de tese, como dizem aqui -, Damián Fernández Pedemonte, aborda de maneira mais lúcida impossível:

Ainda que tanto no discurso de Cristina Kirchner como nos subtextos dos intelectuais se faz referência continuamente aos atores sociais, principalmente marginalizados, como atores do processo de comunicação pública, sobretudo para pregar a necessidade de ampliar o acesso à propriedade de licenças e ao poder de enunciação destes setores; não se considera (a esse público) nunca como audiências ativas, críticas, independentes. Se fala em seu nome, mas sem ouvir empiricamente a relação cotidiana que esses grupos e a sociedade em seu conjunto estabelecem com os meios de comunicação e com os novos meios do entorno digital. (…) Aqueles que controlam os meios (são tidos como quem) podem mudar a ideologia das pessoas e, ainda, ganhar eleições.” (p. 140-141, grifo meu)

A leitura do Prof. Damián é sobre a realidade argentina, mas pode ser aplicada sem prejuízo ao contexto brasileiro. Enquanto a população faz as redes sociais fervilharem em subjetividades, o poder público se agarra aos fracassados argumentos de teorias de efeito e frankfurtianas para pôr em caixinhas o que flutua, jorra, incontrolável, pelo poder de fala fluido nas redes.

Mas não é somente a ineficácia de uma discussão assim o que me preocupa, e sim a negligência desse debate em relação à capacidade de raciocínio – e de expressão – do público.

Extensa sem ser massiva, a audiência se fragmenta e toma consciência da autonomia individual no processo de escolhas políticas. (Ou se a mídia é tão golpista quanto se diz e altera resultados das urnas, faz 4 eleições presidenciais que o Brasil vive em profunda contradição! Mas a contradição não para por aí…)

“(Há uma contradição entre) a contínua fragmentação das audiências dos meios e o surgimento de grupos informativos concentrados que dão viés à informação. Na realidade, ambas tendências conduzem ao declínio dos processo de identificação conformista por parte das audiências. Os meios poderão pertencer a monopólios, mas as pessoas não creem mais neles.
Isso faz com que as audiências busquem outras mediações, além dos meios, para montar suas posições políticas. As audiências fragmentadas não são massas informes (ouié! faz 11 anos que eu digo que comunicação de massa não existe!) que recebem mensagens midiáticas num vazio social. (…) A pesquisa recente em comunicação sobre a sociedade civil e a participação política descobriu que os efeitos dos meios, especialmente durante as campanhas eleitorais, são mediados fundamentalmente pelas discussões interpessoais sobre política.” (p. 142-143, grifo e pitaco entre parênteses meu)

E ele encerra, com a cereja do bolo:

O grande ausente destes argumentos (que buscam instituir regulações de meios) é o público, a audiência crítica e ativa que constitui o ator político com iniciativa própria, autoconvocada e organizada.

Na mesma tarde, o brilhante Cido Coelho compartilha comigo a matéria de capa deste domingo, da Folha de São Paulo:

Folha-de-S

Pode baixar os pdfs aqui e aqui, mas em síntese a matéria traz uma pesquisa realizada pelo próprio jornal, mostrando que a hiperatividade registrada no Twitter e no Facebook em período pré-eleitoral no Brasil foi impulsionada pelo compartilhamento de links… de sites jornalísticos. Como “chancelador” de um argumento, o relato jornalístico seria uma espécie de âncora ao usuário padrão, que busca nos veículos a sustentação e a objetividade incapaz de encontrar nos relatos soltos, produzidos por sites não-noticiosos e usuários leigos (não-jornalistas).

Inevitável levar em consideração que se trata de uma pesquisa conduzida e veiculada por um dos jornais mais tradicionais do país – aquele que anunciou a demissão de 10 jornalistas, incluindo figurões como Eliane Cantanhêde na última semana, alegando motivações econômicas. Noutras palavras: o desespero tá batendo no queixo de náufragos que preferem morrer agarrados ao casco furado do que arriscar-se ao mar para salvar a própria vida.

(“Redes sociais, suas malditas! Pensam que vão roubar minha audiência? Pois vou *provar* que vocês não existem sem mim!” – bem que dá pra imaginar uma cena assim 😀 hehehe)

Acabo de ver que o Prof. Walter Lima publicou um post no Facebook fazendo uma análise excelente sobre essa pesquisa. Entre os vários pontos de fragilidade que ele apontou no estudo (da falta de transparência às dificuldades obviamente encontradas e não relatadas na coleta de dados no Facebook), coincidimos especialmente quanto a isso:

“3) A amostra foi retirada num tema e momento específicos evolvendo a eleição presidencial, que foi polarizada (FLA x FLU), quando um dos lados acusava (e ainda acusa) a grande imprensa tradicional brasileira de ser o Partido da Mídia Golpista (PIG) e os veículos internacionais (como The Economist) sendo “imperialistas”. Portanto, utilizar links provenientes em “jornais, portais, TVs, rádios, sites de notícias locais ou imprensa internacional” não era devido à credibilidade, mas sim fonte para acusação. Assim, faltou dizer quanto dos 61% dos compartilhamentos eram “positivos” ou “negativos”, para ficarmos somente na rasa avaliação de “sentimento”.”  (grifo meu)

Mas ok, vou tentar ver a pesquisa como não tão absurda e, numa percepção como usuária, é fato que o público compartilha, sim, muito conteúdo da grande mídia. Desconheço pesquisa, porém, que mostre o quanto desses compartilhamentos tem caráter de chancela, quanto é acompanhado por crítica e refutação. Só isso já questionaria a interpretação dos dados que a Folha traz nessa matéria.

Digamos que a maior parte dos links de notícia compartilhados pelas redes sociais seja para fortalecer o argumento do usuário, que ele concorde com o relato jornalístico, que use como sustentação ao seu olhar sobre a realidade. Eis um comportamento que sempre existiu, mas que toma dimensões tão midiáticas quanto o material compartilhado, acrescido por uma camada de leitura, subjetividade, interpretação que cada usuário agrega para difundir. E isso pode alterar o conteúdo inicial, ao menos a leitura dele pelos amigos do usuário que o compartilhou.

Nessa torrente de vieses, já me parece impossível entender que são as notícias – tais como vêm dos sites mainstream – que formam o grande caudal das informações que circula pelas redes sociais. Que elas sejam um disparador, tal como analisa a matéria da Folha, é inegável. Mas o conteúdo das redes vai muito, pero muuuucho além do mero compartilhamento de notícias. E ainda que aí elas estejam em grande número, definitivamente, já não estamos falando do mesmo material.

Noutras palavras: conteúdo mainstream, quando cai na rede, é ressignificado, reformulado pelas gentes e se torna outra coisa que não mais conteúdo mainstream.

E argumentos do tipo “a mídia distorce a realidade; vamos controlar a mídia” já não são mais aceitáveis não pelo trabalho da própria mídia, mas porque a realidade é uma construção pessoal, coletiva e íntima simultaneamente. E mais: é múltipla! Por isso não tolera controle.

Se o controle pretendido é da ordem dos negócios, para evitar os monopólios e que interesses comerciais se sobreponham aos propósitos editoriais de um veículo, é o público quem desprezará práticas abusivas (já despreza!), afastando-se cada vez mais da mídia mainstream, seja por falta de identificação/representatividade, seja por intolerância à “comerciaficação” da mensagem. A evolução é natural. Não é um governo – seja do Pedro ou do Paulo – quem pode ter o poder soberano e único (olha o perigo!) de regular os meios.

Mas voltando às redes sociais, vale lembrar que as métricas desse território urgem ser outras, já que o DNA do ambiente, a tal “dinâmica das redes” é tão, mas TÃO diferente dos meios de “massa”. Num espaço originalmente de atenção e informação fragmentadas, onde o conteúdo é ultra de nicho e a palavra do meu amigo tem muito mais impacto e credibilidade do que 15 mil posts sobre o mesmo assunto, esquece o quantitativo, amiguinho. A moeda aqui é quali e ninguém tasca!

***

metodologia_pesquisa_folhaUPDATED em 17/11/2014: Queridos, agora que voltei à descrição do método de como a Folha conduziu essa pesquisa, fiquei realmente preocupada. Vejam o que diz no destaque do recorte ao lado e, por favor, me ajudem a entender e me corrijam se eu estiver estatísticamente maluca.

O que foi considerado “jornalismo profissional” nessa pesquisa foram compartilhamentos de links de matérias de sites editoriais, certo? O jornal identificou que 4 a cada 10 posts continham link de conteúdo externo. Só aí já estamos falando de 40%, que obviamente já não é a maioria. Entre esses links externos, seguramente nem todos são de sites de “jornalismo profissional”, concordam? Ou seja, estamos falando que menos de 40% dos posts selecionados (e não auditáveis, vale lembrar) traziam referência a veículos de imprensa.

Então, pelamordedeus, COMO podem dizer que o “jornalismo profissional domina as redes sociais” se menos de 40% contém referências a sites jornalísticos?

Ou a Folha não sabe fazer conta ou não entende o significado do verbo “dominar”. Um dicionário pros colegas, por favor…

Sério, gente, posso estar enganada. Me ocorreu agora isso. Me corrijam se eu estiver dizendo besteira sobre o método dessa pesquisa.

 

 

 

 


Referência:
Pedemonte, D.F. “La guerra por las representaciones. Mediatización y disenso en el gobierno de Cristina Fernández de Kirchner. In Elizalde, L.; Pedemonte, D. F.; Riorda, M. (eds.). “La gestión del disenso. La comunicación gubernamental en problemas.” La Crujía Ediciones: Buenos Aires, 2011

Fracassado modelo de negócio de empresas de comunicação sustenta lógica do Facebook

Poucas vezes vi o tema “o impacto do algoritmo do Facebook no jornalismo” retratado com tanta clareza e diversidade de olhares, quanto neste artigo, publicado ontem, no NYT.

A reflexão ilumina questões urgentes para debate, como:
– a bolha algorítmica da desinformação
– o trabalho do editor versus a edição do teu amigo
– consumo de informação e engajamento
– marcas editoriais como anunciantes (ou notícia-produto)
– paywall (juro que sinto vergonha alheia em voltar a esse tema às barbas de 2015, enfim…)

No entanto, a maior constatação a que esse texto me leva não está na esfera editorial, senão nos negócios. Noutras palavras: o êxito do modelo de negócios fodástico que o Facebook consolidou e pelo qual faz o mundo babar só se sustenta pelo modelo antigo de sustentabilidade financeira de uma publicação jornalística: publicidade quantitativa. E isso fica muito claro neste trecho:

Facebook executives frame the company’s relationship with publishers as mutually beneficial: when publishers promote their content on Facebook, its users have more engaging material to read, and the publishers get increased traffic driven to their sites. Numerous publications, including The New York Times, have met with Facebook officials to discuss how to improve their referral traffic. The increased traffic can potentially mean that the publisher can increase its advertising rates or convert some of those new readers into subscribers.

Por “promote“, leia “comprar” visibilidade aos conteúdos no newsfeed. Logo, o esquema de publicidade do Facebook só funciona porque dirige nossas chamadas, sob pagamento, a pessoas que mais provavelmente clicarão nos nossos links. Com isso, empresas de comunicação, seguem buscando a massa, a quantidade de impressões.

Isso se tiverem sorte! Porque o modelo se trai.

Certa vez ouvi de alguém que trabalhava no Google que, quanto menos tempo o usuário passasse na página de busca, mais forte era o sinal de sucesso do produto. Lógica brilhante! E que não se aplica às redes sociais:

Social media companies like Facebook, Twitter and LinkedIn want their users to spend more time, or do more, on their services — a concept known as engagement, said Sean Munson, an assistant professor at the University of Washington who studies the intersection of technology and behavior.
Facebook officials say that the more time users spend at its site, the more likely there will be a robust exchange of diverse viewpoints and ideas shared online.

Eles tentam bancar os bons moços, generosos em fomentar o debate, a pluralidade de ideias e em ceder-nos audiência, ainda que seja muito bem paga e sirva de combustível para um modelo de negócio decadente, soterrado pelo esquema de publicidade instituído pelo próprio Facebook.

Insisto: ao contrário do Google, o Facebook é uma empresa de um produto só. Direcionar o usuário para outro site não é negócio pra eles. Essa rede é um fim em si mesma. Ainda que precise de conteúdo relevante para se sustentar – o que lhe suprimos com afinco e trabalho gratuito – não vai faltar quem compartilhe nossos links por lá. Ou seja, esse namorinho entre Facebook e as empresas jornalísticas é muito conversa pra boi dormir.

Resta ver até quando o mercado vai acreditar nessa mentirinha…

***

Update 1: tks a lot ao Sérgio Ludtke e à Nívia Carvalho por terem compartilhado esse artigo comigo. (sorry, Serginho, estou num teclado castellano e não encontro o trema de jeito nenhum!)

Update 2: já que o assunto é modelo de negócio em redes sociais, acho válidas experiências com formatos inovadores, como o Tsu (sorry de novo pela falta de trema no Tsu) Veja também a análise do YouPix sobre essa rede que promete dividir a receita com os usuários.

Acomodados ou pró-ativos?

“Visualize uma luz branca entrando pelo alto de sua cabeça.
Lentamente, esta luz se espalha pelo seu corpo.
A luz relaxa cada músculo; cura cada órgão seu…”

– Como são boas essas meditações de visualização, Mãe…
– Isso tem impacto pra vocês de hoje porque vocês não pegaram o tempo das radionovelas.
– Por quê?
– Porque lá a gente tinha que imaginar cada cena e hoje em dia já vem tudo pronto!

Dona Sonia não só tem razão como me deixou com a pulga atrás da orelha… Como podemos receber tudo pronto e, ao mesmo tempo, celebrar os processos colaborativos na mídia digital?

Somos acomodados ou pró-ativos? Suamos com Wii. O 3D nos conduz a outras realidades sensoriais sem sairmos da cadeira. Escolho o cardápio da janta acessando o site de telentregas. Se não estivermos em casa na hora da novela assistimos pelo celular mesmo. A lembrança do aniversário dos amigos chega até nós pelas redes sociais e até para cutucá-los apertamos um botão.

E sonhamos com TV digital interativa?

E achamos que o diferencial de um site é o que ele tem de interativo?

Queremos realmente fazer algo? O que queremos fazer?

No caso da TV ainda sou meio turrona e penso em Dominique Wolton (se bem lembro) falando sobre a espinha dorsal do ser humano. Ela muda drasticamente de ângulo entre quem assiste à TV e quem se senta à frente de um computador. No primeiro caso, a inclinação do corpo para trás, no sofá, indica aceitação, entrega, ao contrário do segundo caso, onde se vê uma curvatura para frente, insinuando imersão, ação.

Nem tudo deve ser colaborativo. Nem todo o conteúdo tem de precisar do dedo do público para fazer sentido, sob pena de sofrer com o abandono. Daí lembro de projetos como o Limão, em sua proposta inicial, os falecidos Gostei e PinFotos, da Abril, o moribundo Abril Blogs, a TBox, do Terra além de homes e streamings customizáveis à lá NetVibes da vida.

Isso não quer dizer que o público seja preguiçoso, mas que ele tem foco e já selecionou onde quer interagir e qual conteúdo vai produzir. Noutras palavras, ele vai fazer o que ELE quiser, onde ELE quiser, não exatamente no NOSSO site o conteúdo que NÓS quisermos.

As redes sociais se firmam como os locais absolutos para interação e definem, dia após dia, qual o tipo de UGC o usuário está a fim de produzir. É do nosso agrado? Pouco importa. O jornalismo até vai bem ao se infiltrar nestes ambientes próprios do usuário e inventar maneiras de integrar a interação das redes com o conteúdo dos veículos.

Eu arriscaria dizer, inclusive, que as mídias sociais incentivaram o público a produzir ainda mais conteúdo, um acontecimento que tem sido cada vez melhor explorado pelos veículos. Mas vale lembrar que rede social e veículo online ainda estão na mesma mídia.

Como será que a TV vai se sair em redes sociais? Terá ela algum outro apoio para mudar a postura cervical do espectador e estimulá-lo a interagir, a criar?

Novas diretrizes curriculares do jornalismo

Nos últimos meses a Lei de Imprensa foi revogada no Brasil e o diploma para o exercício do jornalismo deixou de ser obrigatório. Paralelamente, uma comissão formada por 8 cabeças-de-chave da pesquisa em jornalismo no país discutia de maneira amplamente aberta e formulava as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Jornalismo (pdf). Quem assina o documento lançado ontem é José Marques de Melo, Alfredo Vizeu, Eduardo Meditsch, Lucia Araújo, Luiz Motta, Manuel Chaparro, Sérgio Augusto Mattos e Sonia Virgínia Moreira.

Abaixo, anotações com pitacos:

Ponto 1:
“… o conteúdo profissional do curso passou a ser caracterizado como “meramente técnico” e destituído do interesse teórico. Por outro lado, a teoria da comunicação evoluiu desvinculada do exercício da profissão, focada numa crítica geral da mídia, sem compromisso com o diálogo para uma intervenção prática na mesma. Em decorrência, os estudantes de Jornalismo desde então têm sido forçados a uma opção dramática e pouco razoável entre negar a sua profissão, em nome do “espírito crítico”, ou desprezar a teoria estudada nos cursos para se voltarem à prática, reproduzida de maneira acrítica e envergonhada.”

Eles leram meus pensamentos. Academia e mercado deveriam cooperar ao invés de concorrer. E o modelo ideal de profissional deveria ser aquele que trabalha em empresa jornalística ao mesmo tempo em que dedica parte de seu tempo para a atividade acadêmica.

Ponto 2: a proposta de Projeto Pedagógico contempla, além de interdisciplinaridade + teoria e prática + graduação e pós + extensão, preocupação com a empregabilidade dos egressos, devendo apresentar:

Dar ênfase ao espírito empreendedor e ao domínio científico que gerem pesquisas ao conceber, executar e avaliar projetos inovadores capazes de dar conta das exigências contemporâneas e de ampliar a atuação profissional a novos campos, projetando a função social da profissão em contextos ainda não delineados no presente.

e…

Atentar à necessidade de preparar profissionais que possam exercer dignamente a atividade como autônomos em um espaço cuja oferta de emprego não cresce na mesma proporção que a oferta de mão de obra;

Eis uma preocupação louvável e que amplia os horizontes da concepção do profissional jornalista em si, como o sujeito que deve preocupar-se unicamente com a adequação da linguagem, com a postura estética, o equilíbrio das fontes, a força argumentativa ou mesmo com a perfeição técnica.

Ser jornalista, antes de tudo, é ser profissional. E ao sermos reconhecidos pelo Código Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho – ao contrário de pro-bloggers ou pro-twitters – é nosso papel identificar demandas de mercado que possam ser atendidas pelos conhecimentos específicos garantidos pela formação superior em jornalismo. Isto é mais que sobrevivência. É honra.

Noutras palavras: se liguem jornalistas! Tem um baita espaço no mundo digital a ser ocupado por nós. Agilizemo-nos, pois!

Ponto 3:

c) Estar focado teórica e tecnicamente na especificidade do jornalismo, com grande atenção à prática profissional, dentro de padrões internacionalmente reconhecidos, comprometidos com a liberdade de expressão, o direito à informação, a dignidade do seu exercício e o interesse público; – grifo dos autores

Temo quando o cerco fecha. O que pode ser entendido por “especificidade” em uma área ancorada pela interdisciplinaridade, conforme exposto no Projeto Pedagógico? Qual o campo de trabalho do jornalista? Esta pergunta me parece sem resposta pronta neste momento. Afinal, estamos em transição, “em crise” como o documento aponta no início. Crise, inclusive, do nosso campo de trabalho.

É nosso dever traçar estratégias para atingir metas de audiência? Gerenciar redes de blogs? Moderar comentários? Mensurar o impacto de tecnologias futuras? Desenvolver formatos de conteúdo para buscar novos públicos? Atender ao mercado publicitário? Dominar linguagens de programação? Gerenciar equipes? Conversar com o público? Formar um cidadão repórter? Não sei! Estamos em trânsito! Daí que focar teórica e tecnicamente na especificidade do jornalismo ainda me parece uma incógnita.

Ponto 4:
“Eixo de fundamentação contextual , que tem por objetivo embasar o conhecimento das teorias da comunicação, informação e cibercultura, suas dimensões filosóficas, políticas, psicológicas e sócio-culturais, inclusive as rotinas de produção e os processos de recepção, bem como a regulamentação dos sistemas midiáticos, em função do mercado potencial, além dos princípios que regem as áreas conexas.”

Hummm… será que em “cibercultura” a comissão acolheu a interação? Pois ao incluir em destaque as “rotinas de produção e os processos de recepção” ainda estamos separando drasticamente emissor e receptor, uma discussão já vencida na comunicação digital, embora esta cisão ainda apareça fortemente nos meios de massa.

Ponto 5:
O Mestrado Profissional deve ser avaliado como caminho para atender simultaneamente a dois tipos de demanda: a) capacitar diplomados em outras áreas do conhecimento para a realização de trabalhos estratégicos, como os de consultoria, planejamento e avaliação de produtos jornalísticos, além da expressão opinativa e/ou interpretativa sobre temas peculiares a suas formações de origem, como colaboradores especializados;

Este item amplia a preocupação dos cursos de jornalismo em despertar o potencial empreendedor dos profissionais. Mais do que descobrir aberturas no mercado de trabalho, o planejamento e avaliação de produtos jornalísticos belisca onde as empresas mais precisam – visão estratégica de mercado, ou visão de publisher. Mas já que este ponto ficou só para o Mestrado Profissional, então let´s investir na ideia!

Morte dos blogs: menos barulho e mais foco

Então a morte da blogosfera é o novo buzz.

A ideia ganhou força no Link do Estadão. Observando o âmbito nacional ou além, sinto-me no dever de explorar mais este tema, aproveitando para atender ao convite* do querido Jorge Rocha.

Antes de mais nada, a discussão me parece non-sense, uma vez que a blogosfera NÃO ESTÁ NO FIM.

Ainda assim, mero buzz ou não, não acho ruim pararmos de vez em quando para analisar o andar da carruagem. De fato, surgiu uma série de novas ferramentas sociais, sustentadas pelo UGC, mas nem de longe fazem frente ao blog.

Não se trata do blog ser melhor ou pior. São coisas diferentes, somente!

Mais do que diferentes, Twitter, Flickr, YouTube, blogs e que tais são COMPLEMENTARES, tal como diz a Beth Saad:

O termo complementariedade é fundamental. Cada uma das ferramentas – blog, twitter, facebook, por exemplo, possuem características próprias de estilo narrativo e forma de relacionamento com os leitores/usuários/seguidores.

Adoro conversar com o Rodrigo Martins, do Link. Ele não só faz perguntas instigantes sobre temas super atuais, como não deixa de lado a “pimentinha” da pauta. E daí ele entabulou a conversa do blog como “movimento”.

Entendo que “movimento” seja um termo grandioso demais para designar os barulhos – ou mais uma vez, o buzz – produzido por um grupo de blogueiros que, em algum momento, quiseram ser “profissionais de uma ferramenta só”.

Sim, porque… blog é tão-somente uma FERRAMENTA. Como ferramentas não fazem profissionais – e sim o seu patrimônio intelectual, sua formação, a relevância daquilo que produz – pró-blogger não existe nem nunca existiu.

Fato é, no entanto, que esse “momento irritantemente barulhento” da blogosfera brasileira aconteceu por blogueiros querendo ser profissionais. E para percebermos que a culpa da irritação não é do blog – e sim de quem está por trás dele – outro “momento irritantemente barulhento” está por vir no Twitter.

Ocorre que todo o trabalho possível de ser produzido em mídias sociais como blogs ou no Twitter nunca poderá ser reduzido a um barulho infernal de gente querendo parecer mais do que é.

Sim, mídia social é lugar para ver e ser visto. Mas mesmo para alcançar este objetivo não basta ESTAR PRESENTE nestas mídias fazendo qualquer micagem. A audiência qualifica-se à medida em que a informação se aprimora, as fontes se multiplicam (assim aconteceu a reforma protestante).

Com a proliferação de plataformas sociais, a concorrência informacional ficou tão maior que está mais difícil distinguir bons e maus blogueiros, bons e maus twitteiros, bons e maus flickeiros…

Piorou? Não. O aumento da filtragem da informação é uma tendência natural do ciberespaço. Que estejamos mais atentos, pois!

O resultado dessa história só veremos daqui a um tempo, no entanto. Por enquanto, observações de perto. Sem maiores alardes porque a coisa não promete ir muito longe.

* Também estão convidados a discutir este tema Alec Duarte, Marcelo Soares, Marcelo Soares, Alessandra Carvalho e Daniela Bertocchi.